As 'impressões digitais' ocultas nas fotos que revelam mais do que você imagina
Quando você tira uma foto, seu smartphone ou câmera digital armazenam 'metadados' no arquivo de imagem. O que estĂĄ escondido na sua foto?Getty Images/BBCEm 3 de outubro...
Quando vocĂȘ tira uma foto, seu smartphone ou câmera digital armazenam 'metadados' no arquivo de imagem. O que estĂĄ escondido na sua foto?Getty Images/BBCEm 3 de outubro de 2020, a Casa Branca publicou duas fotos do então presidente americano Donald Trump, assinando papéis e lendo briefings.No dia anterior, Trump havia anunciado que havia contraĂdo coronavĂrus— e estas fotos aparentemente foram divulgadas para mostrar que ele estava com a saĂșde boa.Sua filha Ivanka tuitou uma das imagens com a legenda: "Nada pode impedi-lo de trabalhar para o povo americano. IMPLACÁVEL!"Mas os observadores mais atentos notaram algo incomum.Duas fotos de Trump no hospital militar em que foi internado com coronavirusEPA/JOYCE N BOGHOSIA/THE WHITE HOUSEAs fotos foram tiradas em duas salas diferentes do hospital militar Walter Reed. Em uma delas, Trump estĂĄ de paletó, na outra apenas de camisa.Junto a declarações pĂșblicas sobre seu bom estado de saĂșde e ética profissional, a insinuação era que ele havia se dedicado às funções presidenciais o dia todo, apesar da doença.Os registros de data/hora das fotos, no entanto, diziam outra coisa. As imagens foram tiradas com 10 minutos de intervalo.É claro que existem outras explicações possĂveis para o fato de terem sido tiradas tão próximas uma da outra. Talvez o fotógrafo só tivesse acesso por 10 minutos, e de repente Trump sempre teve a intenção de trocar de cômodo durante aquele intervalo de tempo.Mas a Casa Branca não deve ter ficado muito contente ao saber que as pessoas notaram os registros de data/hora.Isso levou os meios de comunicação e comentaristas a questionar se as imagens haviam sido encenadas para uma sessão de fotos com o objetivo de passar uma mensagem polĂtica, e a duvidar se Trump realmente estava trabalhando tão "implacavelmente" no fim das contas.Não foi a primeira vez que informações ocultas em uma foto digital levaram a consequĂȘncias indesejadas. Basta perguntar a John McAfee, fundador do software de antivĂrus de mesmo nome.Em 2012, ele fugiu das autoridades de Belize, na América Central.5 dicas para aproveitar a câmera de selfies do seu celularRepórteres da revista Vice localizaram McAfeee e publicaram uma foto dele na internet, com o tĂtulo "Estamos com John McAfee agora, otĂĄrios".No entanto, sem que eles percebessem, os dados de localização incorporados na foto revelaram inadvertidamente que McAfee estava na Guatemala. Ele foi logo encontrado e detido.Estes são apenas dois exemplos de como as informações ocultas nas fotos digitais podem revelar muito mais do que os fotógrafos e as pessoas retratadas esperam.SerĂĄ que suas próprias fotos estão compartilhando mais detalhes por aĂ do que vocĂȘ imagina?Quando vocĂȘ tira uma foto, seu smartphone ou câmera digital armazenam "metadados" no arquivo de imagem.Eles se inserem automaticamente e parasitariamente em cada foto que vocĂȘ tira.São dados sobre dados, fornecendo informações de identificação, como quando e onde uma imagem foi capturada e que tipo de câmera foi usada.Não é impossĂvel limpar metadados usando ferramentas disponĂveis gratuitamente como o ExifTool.Mas muita gente nem sequer se dĂĄ conta de que os dados estão lĂĄ, muito menos de como podem ser usados, então não se preocupa em fazer nada a respeito antes de postar imagens online.Algumas plataformas de rede social removem informações como geolocalização (apenas da visualização pĂșblica, no entanto), mas muitos outros sites não.Essa falta de conhecimento tem se mostrado Ăștil para os investigadores da polĂcia, à medida que ajuda a associar criminosos desprevenidos a determinadas cenas.Mas também representa um problema de privacidade para os cidadãos cumpridores da lei, se as autoridades forem capazes de rastrear suas atividades por meio de imagens em suas câmeras e redes sociais.E, infelizmente, criminosos experientes podem usar os mesmos truques que a polĂcia: se eles são capazes de descobrir onde e quando uma foto foi tirada, isso pode te deixar vulnerĂĄvel a crimes como assalto a residĂȘncia ou assédio.Mas os metadados não são a Ășnica coisa escondida em suas fotos.Também existe um identificador pessoal Ășnico que associa cada foto que vocĂȘ tira à câmera especĂfica que foi usada, mas é algo que vocĂȘ provavelmente jamais imaginou.Até mesmo fotógrafos profissionais podem não perceber ou se lembrar que ele estĂĄ lĂĄ.Para entender o que é esse identificador, primeiro vocĂȘ precisa entender como uma foto é capturada.O sensor de imagem é vital para cada câmera digital, incluindo aquelas dentro de smartphones.Ele é composto por uma matriz de milhões de diodos fotossensĂveis, chamados photosites, de silĂcio — que são cavidades que absorvem fótons (luz).Devido a um fenômeno conhecido como efeito fotoelétrico, a absorção de fótons faz com que um photosite lance elétrons.A carga elétrica dos elétrons emitida por um photosite é medida e convertida em um valor digital.Isso resulta em um valor Ășnico para cada photosite, que descreve a quantidade de luz detectada. E é assim que uma foto é formada. Ou, etimologicamente falando, um desenho com luz.No entanto, devido a imperfeições no processo de fabricação dos sensores de imagem, as dimensões de cada photosite diferem ligeiramente.E quando combinada com a inerente falta de homogeneidade do seu material, o silĂcio, a capacidade de cada photosite de converter fótons em elétrons varia.Isso resulta em alguns photosites serem mais ou menos sensĂveis à luz do que deveriam ser, independente do que estĂĄ sendo fotografado.Portanto, mesmo que vocĂȘ usasse duas câmeras da mesma marca e modelo para capturar uma superfĂcie uniformemente iluminada — onde cada ponto da superfĂcie tem o mesmo brilho — haveria diferenças sutis Ășnicas para cada câmera.As diferentes sensibilidades dos photosites criam um tipo de marca d'ĂĄgua imperceptĂvel na imagem.Embora não seja intencional, ela age como uma impressão digital, exclusiva do sensor da sua câmera, que é impressa em cada foto que vocĂȘ tira. Assim como os flocos de neve, não hĂĄ dois sensores de imagem iguais.Na comunidade forense de imagem digital, esta impressão digital do sensor é conhecida como "não-uniformidade da resposta fotogrĂĄfica".E é "difĂcil de remover, mesmo quando alguém tenta", diz Jessica Fridrich, da Binghamton University, no estado de Nova York , nos EUA.É inerente ao sensor, ao contrĂĄrio de recursos como metadados de fotos, que são "implementados intencionalmente", explica.Fotos falsasA vantagem da técnica de impressão digital não-uniforme é que ela pode ajudar pesquisadores como Fridrich a identificar imagens falsas.Por princĂpio, as fotos constituem uma rica referĂȘncia para o mundo fĂsico e, portanto, podem ser utilizadas por seu valor probatório, uma vez que retratam o que é.No entanto, em meio à atual onda de desinformação — agravada pela ampla disponibilidade de softwares de edição de imagens — é cada vez mais importante conhecer a origem, integridade e natureza das imagens digitais.Fridrich patenteou a técnica de impressão digital de fotos, e ela foi oficialmente aprovada para uso como evidĂȘncia forense em processos judiciais nos Estados Unidos.Isso significa que os investigadores podem identificar ĂĄreas manipuladas, associĂĄ-las a um dispositivo de câmera especĂfico ou estabelecer seu histórico de processamento.Fridrich acredita que essa tecnologia também pode ser usada para revelar imagens falsas geradas por inteligĂȘncia artificial, conhecidas como deepfakes.E pesquisas preliminares corroboram isso. A caracterĂstica distintiva de um deepfake é seu fotorrealismo.Após ganharem notoriedade em 2018, devido ao seu uso em vĂdeos pornogrĂĄficos, os deepfakes representam uma ameaça tangĂvel ao ecossistema da informação.Se não formos capazes de diferenciar entre o que é real e o que não é, então todo conteĂșdo consumido pode ser razoavelmente colocado em dĂșvida.Na era da pós-verdade, a capacidade de detectar o que é falso é, sem dĂșvida, uma evolução positiva.Mas, ao mesmo tempo, métodos como o da impressão digital de fotos podem "ter usos positivos e negativos", diz Hany Farid, professor de engenharia elétrica e ciĂȘncias da computação na Universidade da Califórnia em Berkeley e especialista em anĂĄlise forense de imagens digitais.Embora Farid tenha usado a técnica de não-uniformidade para vincular fotos a câmeras especĂficas em casos de abuso sexual infantil —um benefĂcio evidente —, ele também adverte que, como "com qualquer tecnologia de identificação, é preciso tomar cuidado para garantir que não seja mal utilizada" .Isso é particularmente pertinente para indivĂduos como ativistas de direitos humanos, fotojornalistas e delatores, cuja segurança pode depender do seu anonimato.De acordo com Farid, essas pessoas poderiam ser "identificadas ao vincularem uma imagem ao seu dispositivo ou a imagens postadas [online] anteriormente".Quando consideramos essas questões de privacidade, podemos traçar paralelos com outra tecnologia.Muitas impressoras coloridas adicionam pontos de rastreamento secretos aos documentos: pontos amarelos praticamente invisĂveis que revelam o nĂșmero de série da impressora, assim como a data e a hora em que um documento foi impresso.Em 2017, esses pontos podem ter sido usados ??pelo FBI, a polĂcia federal americana, na identificação de Reality Winner como fonte do vazamento de um documento da AgĂȘncia Nacional de Segurança (NSA, na sigla em inglĂȘs), que detalhava a suposta interferĂȘncia russa na eleição presidencial de 2016 nos EUA.Independentemente da sua opinião sobre a denĂșncia de irregularidades, essas técnicas de vigilância podem afetar a todos nós. A Comissão Europeia manifestou preocupação, sugerindo que tais mecanismos podem corroer o "direito de um indivĂduo à privacidade e à vida privada".Se considerarmos as impressões digitais das fotos como equivalentes ao nĂșmero de série de uma impressora, isso nos leva a perguntar se a não-uniformidade da resposta fotogrĂĄfica também viola o direito do indivĂduo à proteção de seus dados pessoais.Apesar da nossa predisposição crônica a nos expor na internet, nos reservamos veementemente ao direito à privacidade.Por princĂpio, as pessoas devem ser capazes de decidir até que ponto as informações sobre si mesmas são comunicadas externamente.Mas, à luz do que sabemos agora sobre o rastreamento de fotos forenses, essa autonomia pode ser apenas um controle ilusório.Os metadados padrão são bem difĂceis de evitar — vocĂȘ precisa limpĂĄ-los depois, e a Ășnica informação que vocĂȘ pode impedir de ser criada em primeira instância é a geolocalização da foto.A não-uniformidade da resposta fotogrĂĄfica, no entanto, é muito mais difĂcil de extrair. Tecnicamente, deveria ser possĂvel suprimir, por exemplo, ao reduzir a resolução da imagem, diz Farid. Mas, em quanto?É claro que isso depende de muitos fatores, como o tipo de dispositivo usado para a captura da imagem, assim como o algoritmo de correspondĂȘncia de impressão digital empregado. Não existe uma solução Ășnica para a remoção de impressões digitais.Então, até que ponto devemos nos preocupar com a não-uniformidade da resposta fotogrĂĄfica do ponto de vista ético?Quando perguntei a Fridrich sobre as implicações de suas vĂĄrias aplicações, ela observou com franqueza: "Um carpinteiro pode fazer maravilhas com um martelo, mas um martelo também pode matar".Embora ninguém esteja dizendo que os dados ocultos nas fotos podem ser fatais, a questão é que essa é uma técnica que pode causar danos nas mãos erradas.VocĂȘ não precisa ser Donald Trump ou John McAfee para ser afetado pelos metadados e impressões digitais das imagens.Portanto, da próxima vez que vocĂȘ tirar uma foto com seu smartphone, pare para refletir sobre o que estĂĄ sendo capturado que vocĂȘ não é capaz de ver através das lentes.--* Jerone Andrews escreveu este artigo enquanto trabalhava como pesquisador na University College London (UCL), no Reino Unido, como parte de uma bolsa de estudos organizada pela Associação Britânica para o Avanço da CiĂȘncia