Política A CPI da Pandemia

Bancada do Nordeste tornou o Senado um solo fértil para o oposicionismo

Levantamento do OLB aponta alta de votações em que maioria dos senadores não acompanhou orientações do Executivo

Por Divulgação

07/07/2021 às 17:53:41 - Atualizado há

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Coronavírus foi instalada, no Senado, em 27 de abril, após determinação do Supremo Tribunal Federal. CPIs são usuais na história recente do Brasil. Desde o governo de Fernando Collor, o primeiro eleito pelo voto direto depois do fim da ditadura militar, elas têm cumprido papel importante em momentos cruciais da vida política nacional. Além disso, são instrumentos corriqueiros das democracias representativas, presidencialistas e semi-presidencialistas, especialmente as de tradição constitucionalista norte-americana. Elas foram instituídas no Brasil pela primeira vez em 1934. Depois do Estado Novo, foram previstas na Constituição de 1946 como prerrogativas tanto da Câmara dos Deputados quanto do Senado Federal. No regime militar, a Constituição de 1967 incluiu a possibilidade de serem instaladas pelas duas casas legislativas em conjunto, as CPIs mistas ou CPMIs. Na Constituição de 1988, elas ganharam poderes próprios das autoridades judiciais.

Desde a redemocratização, portanto, as CPIs, que são destinadas à investigação de fatos determinados da competência legislativa e fiscalizatória do Congresso, se diferenciam das demais comissões legislativas permanentes por possuírem poderes usualmente atribuídos ao Poder Judiciário. Por exemplo, dentre outras atividades, cabe a elas realizar oitivas de indiciados e inquirir testemunhas, tomar depoimentos de autoridades públicas, realizar sindicâncias e diligências, determinar a realização de buscas e apreensões, solicitar quebra de sigilos bancário, fiscal e de dados de seus investigados, determinar prazos para o cumprimento de providências e requisitar informações e documentos de órgãos e autoridade públicas.

Além de previstas na Constituição, as CPIs são reguladas pelos regimentos da Câmara, do Senado e do Congresso Nacional. Sua instalação depende do apoio de somente ? dos parlamentares[1], motivo pelo qual elas servem às minorias como instrumento de controle e fiscalização diante da eventual (e comum) formação de super maiorias governistas nas instituições políticas. Em suma, as CPIs ajudam a garantir a representatividade do sistema político e a efetiva separação de poderes.

Como instrumento primordialmente ativado pelas minorias, as CPI são em geral requeridas pela oposição, não havendo, contudo, impedimento formal para que sejam requeridas também pela base governista. Do ponto de vista político, isso parece fazer pouco sentido à primeira vista, já que as comissões usualmente investigam ações e omissões do governo, podendo assim sujeitá-lo a considerável desgaste político. No entanto, tendo em vista os limites estatutários para a criação de novas CPIs – na Câmara são permitidas apenas cinco simultaneamente – é comum que a base governista se antecipe e crie CPIs que não tenham objeto explosivo para o governo de plantão. Com isso, ou impedem a criação de CPIs mais danosas ao governo ou desviam a atenção daquelas já instaladas. Essa estratégia, inclusive, chegou a ser ensaiada por Eduardo Girão (Podemos-CE), senador governista que pretendia ampliar o escopo da investigação, dirigida pelo requerimento inicial da oposição ao comportamento do governo federal, diante da impossibilidade de barrá-la.

A instalação de CPIs diz muito sobre as relações entre governo e Congresso em determinada conjuntura. O fato de a CPI do Coronavírus ter sido instalada no Senado, por exemplo, revela alguns aspectos importantes da relação entre o Senado e o governo de Jair Bolsonaro em 2021, com possível impacto na tramitação da agenda governamental em período pré-eleitoral.
Neste boletim, analisamos as motivações do Senado para instalação dessa comissão e indicamos, em função do rumo dos trabalhos realizados até então, alguns dos possíveis impactos na relação entre os Poderes e na jornada do presidente Bolsonaro até 2022.

Uma CPI oposicionista

Os dois primeiros anos do atual governo foram marcados pelas relações estremecidas entre Jair Bolsonaro e o então presidente da Câmara, o deputado Rodrigo Maia (atualmente sem partido). A disputa se acirrou durante a pandemia da Coronavírus e prejudicou – ou mesmo comprometeu – a capacidade política do governo de avançar sua agenda no Legislativo neste período, especialmente na Câmara dos Deputados. A situação na Câmara contrastava com a boa relação que o Planalto mantinha junto ao então presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Por essa razão, conseguir eleger o aliado Arthur Lira (PP-AL) para a sucessão de Rodrigo Maia tornou-se prioridade absoluta da articulação política do governo no início de 2021.

A vitória do candidato governista trouxe a perspectiva de melhora no ambiente político para o Planalto. De fato, nos primeiros meses de 2021 foi possível observar um avanço na pauta prioritária do governo. Podemos citar, a título de exemplo, as mudanças promovidas na condução da reforma tributária, com a rejeição ao relatório de Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), aliado de Rodrigo Maia, e o fatiamento da proposta. Também a aprovação da MP de privatização da Eletrobras e do PL do Licenciamento Ambiental são vitórias comemoradas pelo governo nos primeiros meses do ano. O que não se esperava, contudo, era uma mudança na direção inversa no Senado.

As lideranças do Senado mostraram inaudita disposição para instalar a CPI, mesmo que sua criação tenha sido determinada pelo STF. A hostilidade ao governo pode ser confirmada por diversos eventos, a começar pela escolha para a relatoria de Renan Calheiros (MDB-AL) – notório opositor. Além disso, a maior parte dos membros titulares da CPI apresentam um baixo índice de alinhamento ao governo em votações nominais, conforme se pode observar no gráfico 1.

Gráfico 1. Alinhamento dos Membros da CPI em votações

Dos cinco membros com pontuação acima de cinco, quatro têm atuado de maneira mais enfática em defesa do governo. Contudo, Omar Aziz, o presidente da CPI, que tem índice de alinhamento medido em 5,3, tem adotado postura divergente dos governistas. Dentre os seis cujas notas pontuaram abaixo de cinco, aqueles com comportamento mais abertamente oposicionista são Randolfe Rodrigues (Rede-DF) e Humberto Costa (PT-PE). É importante destacar que os senadores Otto Alencar (PSD-BA) e Renan Calheiros (MDB-AL), que mantêm baixa adesão em plenário às preferências governamentais, são conhecidos pelas relações que estabeleceram com o PT em nível federal e estadual.

Depois de mais de um mês de atividade, nota-se que o comportamento da CPI corrobora a tendência oposicionista apresentada pelos membros titulares da comissão em plenário. O processo de trabalho desenvolvido até então, incluindo a aprovação de requerimentos, a convocação de testemunhas e a preparação da inquirição, assim como os resultados parciais já alcançados, fazem sobressair as críticas à gestão do governo na pandemia. Essa é uma clara sinalização do relatório que estará por vir. Neste início de 2021, portanto, há indícios de que Senado e Câmara inverteram papéis no que diz respeito à relação com o governo. Enquanto a câmara baixa, sob a liderança de Arthur Lira (PP-AL), apresenta-se mais politicamente alinhada ao Planalto, o Senado manifesta comportamento mais crítico e confrontacionista à agenda governamental. O que estaria por trás dessa mudança?

Por que o Senado?

Para entendermos essa mudança em um quadro mais amplo, é importante, de início, observar a evolução dos índices de apoio ao governo em votações nas duas casas. Os gráficos 2 e 3 mostram essa trajetória do início da legislatura até maio de 2021, na Câmara e no Senado, respectivamente. Neles, podemos observar que, apesar das variações circunstanciais, o governo tem mantido em média um apoio superior a 50% dos parlamentares nas duas casas, mesmo em 2021.

Comunicar erro

Comentários Comunicar erro

GG Noticias

© 2024 GG Noticias - Todos os direitos reservados.

•   Política de Cookies •   Política de Privacidade    •   Contato   •

GG Noticias